Jackson, consciência católica e
reação
Candido Mendes de Almeida
Jornal do Commercio (RJ) 05/12/2008
Entre tantas efemérides, nestes
dias, de celebração do pensamento brasileiro, de Machado a Guimarães Rosa,
marcam-se também os oitenta anos do falecimento de Jackson de Figueiredo,
arrebatado por uma onda na Joatinga, antes de sua quarentena. Deu-nos a retomada
radical de uma visão do cristianismo na modernidade, no quadro do confronto de
fundo, em que a crença saía da boa consciência da ordem e ao mesmo tempo do
confronto da fé com a racionalidade progressista do começo do século.
Neste primeiro abalo da nossa
acomodação católica de todo o sempre, arranca este sergipano, marcado por uma
rebeldia congênita, exatamente no mesmo passo em que a sinceridade de um pensar
lhe levaria do ateísmo dos primeiros anos a um ethos de adesão religiosa, a
antecipar a visão dos engajamentos existenciais, do após guerra do meio século.
Toda uma tormenta de dúvidas se
resolvia, finalmente, por esta fé de combate, à margem dos "cógitos"
elegantes e da sacralização do cientificismo da época. O pensamento amarrava-se
num itinerário lacerado, de dor e denúncia do indiferentismo à sua volta, e da
quase violência que reclamaria uma restauração confessional.
É o caminho que Jackson nos
traça, em "Pascal e a Inquietação Moderna", na "Reação do Bom
Senso" ou na "Literatura Reacionária". A pregação vai ao nervo
do cenário do Rio de Janeiro dos anos 20, nas madrugadas do Café Gaúcho, do
sergipano vestido de negro, chapéu desabado e a bengala a que se refere Arthur
Rios, seu genro. É como se uma emblemática acompanhasse o intelectual inquieto,
que fazia do anti-respeito humano uma convicção contundente, trazida a uma
coreografia de exprobrações, réplicas e abalos da mornidão da cabeça então
imperante, por uma inquirição exigente do nosso caminho no século.
Reflexão. Jackson trazia à frente
a reflexão de Farias Brito na virada do século, de defesa da vida do espírito,
frente ao desinteresse com o absoluto e a transcendente da nossa ambiência
livresca de então. A militância se desembaraça de toda tertúlia ou das
convenções, a partir da dúvida elegante e prosélita em bem de um vitalismo,
buscando a diatribe e o arrebatamento religioso, exigente numa proclamação de
confronto e de um reacionarismo radical, no desenho da visão de mundo do
catolicismo.
Desinteressado da decantação da
cultura de uma época, em busca da afirmação do absoluto, da crença, sua
invariança descartava todo bom tom ou a sofisticação que agregaria à fé de um
intelectual no seio de seu tempo. Esta militância levou Jackson, de logo, a
criar o Centro Dom Vital, como primeira expressão de um laicato confessional,
de todo aparelhado e sabedor do seu anúncio, sem dúvidas ou resto. Era tarefa
não de explicação da dúvida, mas de chamada à ordem das gerações, no Brasil às
vésperas da revolução liberal e das quebras das tranqüilidades da religião
estabelecida, de par com a república do café com leite.
O Centro passou, à morte de
Jackson, à direção de Alceu, numa leitura dos recados da hora, de onde
partiriam e já sobre o comando de D. Leme, no Rio de Janeiro, a interrogação do
integralismo, o debate do neotomismo, o começo da Ação Católica e o assento no
meio século das universidades católicas. No fruto histórico mais profundo de
uma entrega radical, Jackson assumiu todas as farpas que, à época, faziam da
toma da palavra um arranco fundador, diante das condições objetivas da
contradição do status quo com o ethos cristão, e sua pergunta subversiva ao
país instalado. Ficou-nos no pensador engolfado pelo oceano o lance da ruptura.
A reação surgiu como o desassombro da entrega, no que viu como o assalto da
modernidade à inteireza do convite à fé, a que se voltou este "cangaceiro
que Deus acorrentou", com a faina do último heroísmo.