Oração composta por Jackson de Figueiredo e enviada para sua Laura na noite de 20/02/1919
FERNANDES, Cléa Alves Figueiredo. Jackson de Figueiredo: uma trajetória apaixonada. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. p. 218-219.
Senhor! Eu tomo a tua justiça e vivo assombrado da tua bondade. Quem sou eu, que tenho feito nos pés da tua clarividência?
Eu posso repetir a palavra de meu irmão: sou uma miséria dos pés à cabeça, sou uma lástima viva. Qual foi o momento em que tive coração digno de Ti? Por que me proteges, Senhor?
Eu só vejo a face exterior da vida. Mas quantos sofrimentos tenho visto! Homens que julgo melhores do que eu tenho visto rolarem de infortúnio em infortúnio...
E por que me deste tudo Deus de justiça? E por que fechaste o círculo da minha ambição? Eu não desejei fortuna; desejei amar e ser amado. E tu não pedes outra coisa, e concedeste-me esta graça. A Jó experimentastes, pesadamente - tinha ele o corpo em chagas, perdera todos os bens e chasqueou da sua miséria a mulher a quem amava. Eu tenho o meu coração guardado num coração maior do que o meu. Deus de misericórdia, fio que não me experimentes também. Eu sei que a felicidade é às vezes mais perigosa que o pesar.
Tudo dorme em derredor de mim. Lá fora, porém, clamam os grandes ventos que soltaste e não tarda talvez que a tempestade se desencadeie. Eu tenho o coração angustiado. Está longe de mim a graça que me concedeste. Tenho medo, Senhor, estou sozinho. Jesus Cristo tenha pena de mim! A Virgem Santíssima tenha misericórdia de mim!
Senhor! Eu temo a Tua justiça. Senhor eu vivo assombrado de tua bondade. Meu Jesus Cristo! Minha Santa Maria, tenha piedade de mim!
FERNANDES, Cléa Alves Figueiredo. Jackson de Figueiredo: uma trajetória apaixonada. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. p. 218-219.
Jackson, consciência católica e
reação
Candido Mendes de Almeida
Jornal do Commercio (RJ) 05/12/2008
Entre tantas efemérides, nestes
dias, de celebração do pensamento brasileiro, de Machado a Guimarães Rosa,
marcam-se também os oitenta anos do falecimento de Jackson de Figueiredo,
arrebatado por uma onda na Joatinga, antes de sua quarentena. Deu-nos a retomada
radical de uma visão do cristianismo na modernidade, no quadro do confronto de
fundo, em que a crença saía da boa consciência da ordem e ao mesmo tempo do
confronto da fé com a racionalidade progressista do começo do século.
Neste primeiro abalo da nossa
acomodação católica de todo o sempre, arranca este sergipano, marcado por uma
rebeldia congênita, exatamente no mesmo passo em que a sinceridade de um pensar
lhe levaria do ateísmo dos primeiros anos a um ethos de adesão religiosa, a
antecipar a visão dos engajamentos existenciais, do após guerra do meio século.
Toda uma tormenta de dúvidas se
resolvia, finalmente, por esta fé de combate, à margem dos "cógitos"
elegantes e da sacralização do cientificismo da época. O pensamento amarrava-se
num itinerário lacerado, de dor e denúncia do indiferentismo à sua volta, e da
quase violência que reclamaria uma restauração confessional.
É o caminho que Jackson nos
traça, em "Pascal e a Inquietação Moderna", na "Reação do Bom
Senso" ou na "Literatura Reacionária". A pregação vai ao nervo
do cenário do Rio de Janeiro dos anos 20, nas madrugadas do Café Gaúcho, do
sergipano vestido de negro, chapéu desabado e a bengala a que se refere Arthur
Rios, seu genro. É como se uma emblemática acompanhasse o intelectual inquieto,
que fazia do anti-respeito humano uma convicção contundente, trazida a uma
coreografia de exprobrações, réplicas e abalos da mornidão da cabeça então
imperante, por uma inquirição exigente do nosso caminho no século.
Reflexão. Jackson trazia à frente
a reflexão de Farias Brito na virada do século, de defesa da vida do espírito,
frente ao desinteresse com o absoluto e a transcendente da nossa ambiência
livresca de então. A militância se desembaraça de toda tertúlia ou das
convenções, a partir da dúvida elegante e prosélita em bem de um vitalismo,
buscando a diatribe e o arrebatamento religioso, exigente numa proclamação de
confronto e de um reacionarismo radical, no desenho da visão de mundo do
catolicismo.
Desinteressado da decantação da
cultura de uma época, em busca da afirmação do absoluto, da crença, sua
invariança descartava todo bom tom ou a sofisticação que agregaria à fé de um
intelectual no seio de seu tempo. Esta militância levou Jackson, de logo, a
criar o Centro Dom Vital, como primeira expressão de um laicato confessional,
de todo aparelhado e sabedor do seu anúncio, sem dúvidas ou resto. Era tarefa
não de explicação da dúvida, mas de chamada à ordem das gerações, no Brasil às
vésperas da revolução liberal e das quebras das tranqüilidades da religião
estabelecida, de par com a república do café com leite.
O Centro passou, à morte de
Jackson, à direção de Alceu, numa leitura dos recados da hora, de onde
partiriam e já sobre o comando de D. Leme, no Rio de Janeiro, a interrogação do
integralismo, o debate do neotomismo, o começo da Ação Católica e o assento no
meio século das universidades católicas. No fruto histórico mais profundo de
uma entrega radical, Jackson assumiu todas as farpas que, à época, faziam da
toma da palavra um arranco fundador, diante das condições objetivas da
contradição do status quo com o ethos cristão, e sua pergunta subversiva ao
país instalado. Ficou-nos no pensador engolfado pelo oceano o lance da ruptura.
A reação surgiu como o desassombro da entrega, no que viu como o assalto da
modernidade à inteireza do convite à fé, a que se voltou este "cangaceiro
que Deus acorrentou", com a faina do último heroísmo.
"Por mais que nos queiramos iludir, o certo é que sentimos quanto é morna a inexpressiva a atmosfera moral do Catolicismo no Brasil. Somos o número, somos talvez a riqueza, nada ficamos a dever aos nossos inimigos nos domínios da inteligência e da cultura, da honestidade e do trabalho, e, no entanto, sentimos que pesamos muito pouco na orientação geral da vida pública brasileira. E por quê? Porque o católico se deixa amortalhar na mais dolorosa das covardias, que é a covardia política."
FIGUEIREDO, Jackson de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: AGIR, 1958.
Desenho de LeandroValentin |
"Que valor temos nós, católicos, na imprensa do Rio de Janeiro? Quem terá mais colunas nessa poderosíssima impressa: a igreja e o Espiritismo, as Ordens religiosas ou as associações de caráter franco ou disfarçadamente anarquistas?"
"[...] nós, católicos brasileiros, [...]temos feitos notáveis na história da covardia humana sobre o planeta." Jackson de Figueiredo
Posted in Jackson de Figueiredo, trechos
"[...] nós, católicos brasileiros, [...]temos feitos notáveis na história da covardia humana sobre o planeta."
FIGUEIREDO, Jackson de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: AGIR, 1958. p. 86.
FIGUEIREDO, Jackson de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: AGIR, 1958. p. 86.
(...) o Brasil precisa é de convicções, é de vontades férreas, é de homens capazes de justiça e destemor
ante a prosápia do malandrismo."
"[...] nós, católicos brasileiros, [...]temos feitos notáveis na história da covardia humana sobre o planeta."
Jackson de Figueiredo, artigo 'Tolerância', in FIGUEIREDO, Jackson de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: AGIR, 1958.
"O fundador do Centro Dom Vital diferia desses cidadãos algo pendantes que fazem profissão de pensar, que deitam pensamento como outros deitam humorismo, em caráter permanente, de manhã à noite, que só tomam da pena dispostos a ser sublimes, a ser transcendentais. De nós para nós, mais que um doutrinador insolente, um moralista abstrato, dos que dão cabeçadas nas nuvens, achamo-lo sempre um historiador perspícuo das idéiais alheias. E Jackson provou existir muita afinidade eletiva na sua predileção por certos autores, sendo que, nele, a escolha de determinados assuntos já era em si uma opinião. No desejo de que a arte representasse cada vez mais a 'santificação da vida' e de que uma literatura impregnada de elementos criadores se sobrepusesse à literatura simplesmente anedótica ou sentimental, esse talento sem rasuras, dando-se a estudos enciclopédicos e
achando que especialização é uma anquilose, parecia-nos, à maneira de Chales Maurras em França, um reacionário sincero e avesso a criar fantasmas políticos. Poucos como Jackson possuiram, no Brasil dos últimos tempos, o dom dessas frases-relâmpagos que, em meio à escuridão das idéias ambientes, fazem entrever cimos de montanhas."
Agripino Grieco, Gente Nova do Brasil in FIGUEIREDO, Jackson de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: AGIR, 1958.
Blog dedicado à memória de Jackson de Figueiredo Martins (1891 — 1928) . Advogado, ensaísta, jornalista, critíco e católico fervoroso, Jackson imprimiu no Centro Dom Vital um espírito de luta e irrenunciável defesa dos princípios cristãos. De temperamento forte e caráter convicto, despertou admiração de muitos que o conheceram. Ainda hoje deperta atenção dos que admiram a história do Centro Dom Vital e seus tempos áureos!
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